sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

“De volta ao Brasil pela tela de um computador: alunos nipo-descendentes se esforçam para garantir um futuro melhor na terra dos samurais.”


Carla Alexsandra do Carmo Ribeiro.*
O início dos movimentos migratórios confunde-se com a própria gênese da humanidade. Movidos pela busca da própria sobrevivência o homem tem se deslocado constantemente em busca de alimento, abrigo e condições climáticas mais favoráveis.
As características deste movimento têm se alterado ao longo dos séculos atendendo às necessidades, costumes ou motivos que surgiram na trajetória evolutiva da raça humana. Assim, a busca pela sobrevivência cedeu lugar às conquistas territoriais e consequentemente aos apelos da colonização, que por sua vez foram sobrepujadas pelas necessidades do mercado, característica esta marcante da evolução do mundo capitalista moderno.
No decorrer da história assistimos este deslocamento humano como uma conseqüência natural e uma saída estratégica de um contingente de seres humanos que migravam com o sonho de enriquecimento e de posterior retorno a sua terra natal.
Voltando nossos olhos ao caso específico do Japão temos um claro exemplo desta necessidade de sobrevivência e realização pessoal, sem tirar os olhos (e o coração) da ilha do divino Imperador.
O início do processo migratório dos japoneses para o Brasil deu-se em 1908, acentuou-se no período da guerra e obteve seu declínio no final dos anos setenta.
Famílias inteiras chegavam a bordo de navios no porto de Santos e de lá eram mandados para as fazendas de café, a exemplo dos milhares de imigrantes europeus que aqui chegaram anteriormente.
Visando a diminuição de sua carga demográfica e abafando os protestos da população por melhores condições de vida, o governo japonês passou a subsidiar as viagens de seus nacionais após a proibição da entrada de japoneses nos Estados Unidos em 1924.
A partir dos primeiros desembarques, a história seguiu seu curso previsível, ou seja, trazendo aos novos moradores da terra brasilis, muito trabalho, muitos sacrifícios, mudanças nos seus hábitos e costumes (alimentação, higiene, lazer, etc), porém esta vivência em cultura completamente oposta a sua, acabou por reforçar aspectos sociais muito comuns à sociedade japonesa: a aproximação dos indivíduos na formação de associações, agremiações e grupos que colaboraram por perpetuar as tradições seculares e reforçar a identidade coletiva destes imigrantes.
Grupos de jogos como o beisebol e escolas de língua japonesa surgiram para agregar os seus comuns e propiciar uma educação à moda das escolas japonesas, pois assim mantinham viva a intenção do retorno ao seu país de origem.
Os japoneses obtiveram então sucesso na agricultura com muito trabalho e persistência. Introduziram novos alimentos que com o tempo passaram a integrar a dieta de todos os brasileiros. Partiram também para a zona urbana onde se estabeleceram como comerciantes e obtiveram sucesso nas tinturarias, mercearias e feiras livres. Com isso puderam ajudar seus filhos a ter um estudo de qualidade no Brasil. Muitos nipo-descendentes passaram a freqüentar os bancos universitários em cursos como Medicina e Engenharia e o esforço deles têm recompensado toda a sociedade brasileira que os abraçou.
Passados alguns anos após a Segunda Guerra Mundial e com os japoneses já estabelecidos no Brasil um novo movimento começou a se esboçar entre o Brasil e o Japão. No final da década de 80 quando o Japão alcançou o posto de potência econômica e como grande fabricante de alta tecnologia, os japoneses passaram a não querer mais “ ...exercer funções menos qualificadas dentro das fábricas por elas terem adquirido um status menor.” (SAKURAI, 2008, pág.229). Começou aí o retorno dos nipo-descendentes à terra de seus ancestrais. Brasileiros, filhos e netos de japoneses, então retornam ao Japão para exercerem funções denominadas de três “k”: kitanai (sujo), kitsui (pesado) e kiken (perigoso). Com o incentivo da Lei de Controle da Imigração em 1990, descendentes nascidos na América do Sul receberam o visto de “residente por longo período”.
A vida nas fábricas era difícil. Manipulados tal qual robôs, os brasileiros se viram obrigados a encarar uma rotina estafante de trabalho, sem lazer e vida social, fazendo o trabalho e o sofrimento serem faces de uma mesma moeda.
Transpostos alguns percalços do caminho, muitos brasileiros (nipo-descendentes, enfim) conseguiram se manter no Japão e então constituíram família, tiveram seus filhos e a exemplo de seus antepassados agruparam-se em associações, grupos de ajuda mútua e incentivo, formando redes sociais que os uniram aos seus comuns. Porém, ainda que apresentem as características orientais são tratados como estrangeiros no país de seus ancestrais.
Alguns problemas surgiram com esta convivência visto que a falta do domínio da língua é uma barreira intransponível para uma melhor qualificação profissional, para adaptação na cultura receptora e principalmente na questão das crianças que migraram junto com seus pais. A criação de escolas que atendessem aos brasileiros e outros latinos americanos se fez necessária e urgente. Os filhos de imigrantes não conseguiram se adaptar ao sistema educacional japonês com suas exigências e sanções bem diferentes das usadas no Brasil.
Da necessidade de se criar escolas que atendessem a demanda de alunos brasileiros surgiu também à urgência em se adequar e legalizar o trabalho destes profissionais. Em parceria com órgãos do governo brasileiro, a Universidade Federal de Mato Grosso e a Universidade de Tokai no Japão surge, em 2009, o curso de Pedagogia ministrada no módulo à distância para trezentos brasileiros migrados que participaram de processo seletivo para admissão.
Em esforço conjunto dos professores que ministram as disciplinas através dos vídeos-aula e dos alunos que assistem aos domingos, seu único dia de descanso, o Projeto promete trazer aos seus alunos o conhecimento que faltava para exercer a função de educadores na terra do sol nascente.
Percebe-se pela leitura de alguns questionários respondidos pelos alunos a grande expectativa que eles têm em relação ao curso. Esperam alcançar competência profissional, segurança ao passar instruções com embasamento científico aos alunos e acreditam que a educação institucional é o caminho mais seguro para o sucesso. Pela trajetória de vida, muitas vezes permeada por infelicidade e descaso dos seus, podemos dizer que essa é uma oportunidade tratada como única para muitos deles. Através da tela do computador estes brasileiros são trazidos de volta a nossa pátria onde se cumpre efetivamente o papel do Estado no tocante à sua educação e conseqüente abertura de oportunidades para o futuro. O esforço destes alunos será assim recompensado no final desta longa jornada de dedicação, estudo e comprometimento.
* Tenho orgulho de participar deste Projeto!



Referências Bibliográficas utilizadas neste texto:



SAKURAI, Célia. Os japoneses. São Paulo: Contexto, 2008.

OCADA, Fabio Kazuo. Trabalho, sofrimento e migração internacional: o caso dos brasileiros no Japão. In: O avesso do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

Um comentário:

  1. O que eu faria da vida sem você, meu anjo?
    Beijos, Marcel Castro

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