sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

“De volta ao Brasil pela tela de um computador: alunos nipo-descendentes se esforçam para garantir um futuro melhor na terra dos samurais.”


Carla Alexsandra do Carmo Ribeiro.*
O início dos movimentos migratórios confunde-se com a própria gênese da humanidade. Movidos pela busca da própria sobrevivência o homem tem se deslocado constantemente em busca de alimento, abrigo e condições climáticas mais favoráveis.
As características deste movimento têm se alterado ao longo dos séculos atendendo às necessidades, costumes ou motivos que surgiram na trajetória evolutiva da raça humana. Assim, a busca pela sobrevivência cedeu lugar às conquistas territoriais e consequentemente aos apelos da colonização, que por sua vez foram sobrepujadas pelas necessidades do mercado, característica esta marcante da evolução do mundo capitalista moderno.
No decorrer da história assistimos este deslocamento humano como uma conseqüência natural e uma saída estratégica de um contingente de seres humanos que migravam com o sonho de enriquecimento e de posterior retorno a sua terra natal.
Voltando nossos olhos ao caso específico do Japão temos um claro exemplo desta necessidade de sobrevivência e realização pessoal, sem tirar os olhos (e o coração) da ilha do divino Imperador.
O início do processo migratório dos japoneses para o Brasil deu-se em 1908, acentuou-se no período da guerra e obteve seu declínio no final dos anos setenta.
Famílias inteiras chegavam a bordo de navios no porto de Santos e de lá eram mandados para as fazendas de café, a exemplo dos milhares de imigrantes europeus que aqui chegaram anteriormente.
Visando a diminuição de sua carga demográfica e abafando os protestos da população por melhores condições de vida, o governo japonês passou a subsidiar as viagens de seus nacionais após a proibição da entrada de japoneses nos Estados Unidos em 1924.
A partir dos primeiros desembarques, a história seguiu seu curso previsível, ou seja, trazendo aos novos moradores da terra brasilis, muito trabalho, muitos sacrifícios, mudanças nos seus hábitos e costumes (alimentação, higiene, lazer, etc), porém esta vivência em cultura completamente oposta a sua, acabou por reforçar aspectos sociais muito comuns à sociedade japonesa: a aproximação dos indivíduos na formação de associações, agremiações e grupos que colaboraram por perpetuar as tradições seculares e reforçar a identidade coletiva destes imigrantes.
Grupos de jogos como o beisebol e escolas de língua japonesa surgiram para agregar os seus comuns e propiciar uma educação à moda das escolas japonesas, pois assim mantinham viva a intenção do retorno ao seu país de origem.
Os japoneses obtiveram então sucesso na agricultura com muito trabalho e persistência. Introduziram novos alimentos que com o tempo passaram a integrar a dieta de todos os brasileiros. Partiram também para a zona urbana onde se estabeleceram como comerciantes e obtiveram sucesso nas tinturarias, mercearias e feiras livres. Com isso puderam ajudar seus filhos a ter um estudo de qualidade no Brasil. Muitos nipo-descendentes passaram a freqüentar os bancos universitários em cursos como Medicina e Engenharia e o esforço deles têm recompensado toda a sociedade brasileira que os abraçou.
Passados alguns anos após a Segunda Guerra Mundial e com os japoneses já estabelecidos no Brasil um novo movimento começou a se esboçar entre o Brasil e o Japão. No final da década de 80 quando o Japão alcançou o posto de potência econômica e como grande fabricante de alta tecnologia, os japoneses passaram a não querer mais “ ...exercer funções menos qualificadas dentro das fábricas por elas terem adquirido um status menor.” (SAKURAI, 2008, pág.229). Começou aí o retorno dos nipo-descendentes à terra de seus ancestrais. Brasileiros, filhos e netos de japoneses, então retornam ao Japão para exercerem funções denominadas de três “k”: kitanai (sujo), kitsui (pesado) e kiken (perigoso). Com o incentivo da Lei de Controle da Imigração em 1990, descendentes nascidos na América do Sul receberam o visto de “residente por longo período”.
A vida nas fábricas era difícil. Manipulados tal qual robôs, os brasileiros se viram obrigados a encarar uma rotina estafante de trabalho, sem lazer e vida social, fazendo o trabalho e o sofrimento serem faces de uma mesma moeda.
Transpostos alguns percalços do caminho, muitos brasileiros (nipo-descendentes, enfim) conseguiram se manter no Japão e então constituíram família, tiveram seus filhos e a exemplo de seus antepassados agruparam-se em associações, grupos de ajuda mútua e incentivo, formando redes sociais que os uniram aos seus comuns. Porém, ainda que apresentem as características orientais são tratados como estrangeiros no país de seus ancestrais.
Alguns problemas surgiram com esta convivência visto que a falta do domínio da língua é uma barreira intransponível para uma melhor qualificação profissional, para adaptação na cultura receptora e principalmente na questão das crianças que migraram junto com seus pais. A criação de escolas que atendessem aos brasileiros e outros latinos americanos se fez necessária e urgente. Os filhos de imigrantes não conseguiram se adaptar ao sistema educacional japonês com suas exigências e sanções bem diferentes das usadas no Brasil.
Da necessidade de se criar escolas que atendessem a demanda de alunos brasileiros surgiu também à urgência em se adequar e legalizar o trabalho destes profissionais. Em parceria com órgãos do governo brasileiro, a Universidade Federal de Mato Grosso e a Universidade de Tokai no Japão surge, em 2009, o curso de Pedagogia ministrada no módulo à distância para trezentos brasileiros migrados que participaram de processo seletivo para admissão.
Em esforço conjunto dos professores que ministram as disciplinas através dos vídeos-aula e dos alunos que assistem aos domingos, seu único dia de descanso, o Projeto promete trazer aos seus alunos o conhecimento que faltava para exercer a função de educadores na terra do sol nascente.
Percebe-se pela leitura de alguns questionários respondidos pelos alunos a grande expectativa que eles têm em relação ao curso. Esperam alcançar competência profissional, segurança ao passar instruções com embasamento científico aos alunos e acreditam que a educação institucional é o caminho mais seguro para o sucesso. Pela trajetória de vida, muitas vezes permeada por infelicidade e descaso dos seus, podemos dizer que essa é uma oportunidade tratada como única para muitos deles. Através da tela do computador estes brasileiros são trazidos de volta a nossa pátria onde se cumpre efetivamente o papel do Estado no tocante à sua educação e conseqüente abertura de oportunidades para o futuro. O esforço destes alunos será assim recompensado no final desta longa jornada de dedicação, estudo e comprometimento.
* Tenho orgulho de participar deste Projeto!



Referências Bibliográficas utilizadas neste texto:



SAKURAI, Célia. Os japoneses. São Paulo: Contexto, 2008.

OCADA, Fabio Kazuo. Trabalho, sofrimento e migração internacional: o caso dos brasileiros no Japão. In: O avesso do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sem preconceito. Perfil da Presidente da ABEME no Estadão.


Apresento para vocês mais um exemplo da força e da coragem da mulher. Um grande abraço a todas!!!


"Acessórios eróticos seriam excomungados tempos atrás. Hoje, já não causam tanto furor. Prova disso é que o tema é explorado em filmes e novelas. Em cartaz no cinema, por exemplo, há a comédia De Pernas pro Ar, estrelada por Ingrid Guimarães e que alcançou a marca de 1,750 milhão de ingressos vendidos. A atriz encarna uma proprietária de sex shop que se mete em várias trapalhadas com vibradores. A sequência do longa já está garantida. Em Passione, a personagem de Gabriela Duarte, a fogosa Jéssica, era consumidora cativa de fantasias sensuais, com direito até a chicotinho – tudo para estimular o marido Berilo, interpretado por Bruno Gagliasso. “O preconceito está se dissipando, porém falta muito para que as pessoas encarem esse assunto com tranquilidade”, atesta a publicitária Paula Aguiar, que assumiu em setembro a presidência da Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme), se tornando a primeira mulher a conquistar tal cadeira. Ela lembra bem das pedras no caminho no início da expansão do mercado erótico, ramo em que trabalha há mais de 10 anos: – Ninguém queria o nome vinculado a produtos de sex shop. Faltava profissional para fotografar acessórios, designer de internet para elaborar os sites de venda e até provedor não aceitava hospedar lojas virtuais com esse perfil. Como nem modelos topavam posar com fantasias sensuais para divulgar a roupa, o jeito era escolher uma garota de programa bonitinha na Rua Augusta. De lá para cá, muita coisa mudou. As mulheres se tornaram as principais consumidoras dos sex shops e passaram a representar 70% das vendas. No comércio eletrônico, elas são pouco mais do que os homens – 51%. Nas butiques de lingeries sensuais, onde os acessórios picantes ficam num espaço reservado e discreto, a frequência feminina é maioria absoluta. Aos 43 anos, a publicitária, casada e com dois filhos moços, virou referência no setor. Está à frente de diversos estudos sobre consumo e tendência, além de um disputado seminário sobre empreendedorismo realizado na Erotika Fair – feira que acontece em abril e outubro, em São Paulo, e que oferece também atrações e vendas de produtos ao público em geral. Comédia. No cinema, Ingrid Guimarães é dona de um sex shop Novidades. Quem a vê de camiseta, bermuda e chinelo em Itanhaém, litoral sul, cuidando do almoço com a empregada, não imagina sua ligação com o mercado erótico. Ao falar sobre as novidades do setor, destaca o we-vibe: um vibrador anatômico que promete estimular ao mesmo tempo o clitóris e o ponto G, e pode ser usado também na relação sexual. “Os brinquedos para casal são a tendência.” Paula entrou para o setor por acaso, no final dos anos 90, e conta que, antes de se acostumar com o arsenal erótico, cogitou abandonar o trabalho. “Meu lado conservador não aceitava esse mundo.” Fera em informática e comércio eletrônico, ela atuava como gerente de um provedor de internet e professora voluntária de computação numa entidade filantrópica para idosos e pessoas carentes. Um dia, um senhor a procurou. Queria dar de presente à namorada uma loja virtual de produtos eróticos e precisava de alguém para desenvolver o site. Durante a proposta, o visitante incauto abriu uma maleta repleta de acessórios eróticos. Pasmada e constrangida, Paula o fez fechar a maleta rapidamente e o despachou ao marido, que é analista de sistemas e assumiria a tarefa. Nem por isso se livrou dos produtos. A pedido do marido, ela dava seus pitacos na criação da página virtual. A sua principal recomendação: não colocar imagens pornográficas no site, um costume da época. “Achava grosseiro e desnecessário”, conta. “Sempre acreditei, como mulher, que mais importante do que as cenas de sexo explícito é investir na fantasia, no sensual.” Surgiram novos trabalhos e Paula acabou aceitando o emprego numa distribuidora de produtos eróticos. Ficou sob sua batuta a organização e o gerenciamento de todo o comércio eletrônico. Para conseguir lidar com mais leveza com o mercado erótico, a novata decidiu encontrar o lado “positivo” na infinidade de invencionices do setor. Voltou-se às lojistas e às histórias que contavam. Descobriu casos de clientes felizes da vida porque salvaram o casamento ou fizeram o marido largar de amante ao incluir acessórios eróticos na relação a dois. “Comecei a orientar vendedoras a trabalhar positivamente os produtos, mostrando como usufruí-los entre casal para apimentar a relação, independentemente da opção sexual.” Também se arriscou como empresária. Com uma sócia, fabricou pétalas perfumadas, incensos e lançou uma linha de lingeries sensuais. Teve, ainda, uma revendedora de produtos eróticos porta a porta, tal como no filme De Pernas pro Ar. Chegou a trabalhar com 3 mil mulheres, mas não teve fôlego financeiro e o negócio minguou. Paula descobriu que administrar burocracia não é sua praia. “Valeu a experiência porque aprendi muito.” A partir daí, passou a pesquisar o setor. Lançou a A.T.E.N.A.S, agência de notícias e estratégia para negócios do ramo. Os números estão na ponta da língua. Perfil nacional. A consumidora brasileira, por exemplo, compra em primeiro lugar os cosméticos sensuais, que são óleos de massagens, excitantes e géis comestíveis. Desses, estão no topo os produtos para sexo oral e o sabor campeão é o de morango. As brazucas têm perfil bem diferente das norte-americanas. Enquanto as gringas pensam no próprio prazer e investem principalmente em vibradores, as brasileiras querem melhorar sua performance e dar mais prazer ao parceiro. “É cultural”, diz Paula. “Temos essa necessidade de agradar ao homem em primeiro lugar.” Lingeries provocantes e fantasias também fazem parte dessa peculiaridade. Com a bagagem que adquiriu, Paula lançou, numa tacada só, seis livros: dois volumes do SexShop.com – Guia de Negócios, e quatro pequenos manuais que ensinam a usar e usufruir melhor os tipos de vibradores mais vendidos no País: o rabbit, o realístico, o personal e o bullet. Alguns exemplares ainda estão à venda em sex shops virtuais. Dar mais visibilidade ao segmento e encabeçar sua regulamentação são, portanto, seus objetivos na Abeme. Neste semestre, promete fundar a primeira sede da associação em São Paulo, oferecer cursos e criar um departamento de auxílio ao consumidor. Não ganhará nada pois sua função não é remunerada. Sua renda principal, aliás, não vem do setor. Autônoma, ganha criando sites e campanhas com o marido. “Só posso viver assim porque ele é um grande programador e dá tranquilidade financeira”, confessa. “Mas espero poder me dedicar exclusivamente ao mercado erótico no futuro.” E já faz planos de voltar a morar na capital."

FONTE: http://abeme.com.br/2011/sem-preconceito-perfil-da-presidente-da-abeme-no-estadao/

domingo, 7 de novembro de 2010

Reflexos da globalização sobre o mercado de trabalho

Os meios de comunicação em massa têm sido atualmente os maiores propagandistas de uma consciência coletiva que privilegia e exalta determinados atributos físicos, valores e normas de comportamento levando a sociedade a acreditar que produtos de grife, importados em geral, além da magreza excessiva e beleza física de preferência européia ocidental sejam sinônimos de um poder que os qualifique, perante os outros, como “bem-sucedidos”.
Mediante tal constatação percebe-se que a educação institucional, o orgulho da cor da pele, as relações afetivas e familiares ficaram em segundo plano.
Num mundo globalizado onde as relações econômicas são muito mais dinâmicas, o mercado se intensificou e permitiu que tivéssemos acesso a diversos produtos, bens e serviços produzidos em países longínquos e por um batalhão de trabalhadores explorados pelos gigantes capitalistas de países centrais que, ao longo de toda a trajetória da humanidade desde a Revolução Industrial, tem buscado o lucro de forma crescente e incessante.
Assim, o tênis, bolsas, vestidos importados levam o nome de grandes marcas que não tem o pudor em esconder que foram produzidos por mãos exploradas, principalmente na porção asiática do planeta: paga-se centavos por um produto que será vendido por algumas dezenas de dólares, pois a mão de obra nos países centrais é muito mais cara.
Esta globalização do mercado por um lado faz com que muitos trabalhadores que viviam em condições precárias ou na miserabilidade absoluta, tenham o mínimo de possibilidade de alimentação e necessidades básicas atendidas, ainda que explorados por horas de trabalho excessivas e baixos salários.
Por outro lado, esta abertura de mercado da era globalizada provocou profundas desigualdades econômicas e sociais tanto interna quanto externamente às nações. Os empresários, ao utilizarem mão de obra mais barata de países periféricos estão assim protegidos contra os efeitos negativos do mercado porque podem reduzir seus custos sensivelmente, ou seja, não tem grandes encargos trabalhistas, seus impostos são reduzidos e insumos e matéria-prima mais baratos.
Além disso, há uma grande mobilização de trabalhadores provenientes de diversas partes do mundo que migram em busca de trabalho, que possuem as mesmas qualificações, mas que se sujeitam a um salário bem inferior ao pedido pelos nativos, deixando estes últimos sem emprego e gerando o “exército de reserva dos trabalhadores” como Marx chamava.
A imigração tornou-se assim um dos grandes problemas sociais e econômicos discutidos em todos os países desenvolvidos que têm obtido êxito ao barrar trabalhadores oriundos de áreas pobres impondo obstáculos cada vez mais eficazes como barreiras físicas (México/EUA) ou novas leis que punem a imigração ou permanência ilegal (Lei Diretiva de Retorno - Europa), exigências maiores para obtenção de visto, etc. E ao mesmo tempo em que impedem a entrada de trabalhadores, tais Estados abrem cada vez mais as portas para as movimentações do capital, trocas comerciais e comunicações (HOBSBAWM, p.43)
Mais uma vez vemos acontecer na história os lucros capitalistas sobrepujando os indivíduos de seus direitos básicos. Grandes corporações atualmente parecem dar as cartas no jogo político mundial e contam com o descaso de governos e governantes que deixam de privilegiar o povo atuando de forma contrária aos interesses de seus nacionais.
Haverá o tempo em que os países centrais, de economia mais forte e totalmente sugestionados pelos ditos do mercado, começarão a rechaçar os mais feios, os mais pobres, os diferentes, os “inferiores” e nesta gama de qualificativos hediondos incluem-se os imigrantes, que por não possuírem o branco alvo da pele dos nativos serão expurgados para além das fronteiras destes países, não mais como pessoas “non-gratas” que lhes “roubam” os empregos, mas como escórias, limbo dos países pobres.
A riqueza parece estar ligada com a beleza física. Não se falará mais do rico altruísta ou generoso. A humanidade caminha para uma desumanização moral e para um bullying globalizado.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Parabéns a Mario Vargas Llosa!


Finalmente reconhecido o trabalho do escritor peruano Mario Vargas Llosa materializado pelo Prêmio Nobel de Literatura de 2010.
Aqueles que adoram o escritor, assim como eu, hoje é um dia de júbilo e certeza de que as ideias de cunho político do escritor são verdadeiramente sentidas e reconhecidas na sua liberdade de expressão e crítica.
Para coroar este dia segue uma reportagem MUITO INTERESSANTE sobre o conteúdo de seu novo livro.
"Para um bom entendedor, meia palavra basta!" - Ditado popular.

No livro novo, referências ao Brasil

qui, 07/10/10por Luciano Trigo

Quase 30 anos depois da premiação de Gabriel García Márquez, o Nobel finalmente consagra outro autor latino-americano à sua altura, de forma mais que merecida. Mas, diferentemente do que aconteceu com o colombiano, cujo engajamento só fez reforçar a sua projeção como escritor, a dedicação cada vez maior de Mario Vargas Llosa à política parece ter deixado um pouco na sombra a sua obra ficcional.

O anúncio do Nobel coincide com o lançamento no Brasil do livro ‘Sabres e utopias’, uma reunião de artigos sobre política, direitos humanos, História e literatura (editora Objetiva, 432 pgs. R$ 49,90). O volume inclui, aliás, resenhas de diversos romances de García Márquez, além de textos inspirados sobre Jorge Amado e Euclides da Cunha – inspirador do romance de Vargas Llosa ‘A guerra do fim do mundo’, sobre Canudos.

Mas os artigos mais interessantes acabam mesmo sendo aqueles que comentam a política da América Latina, historicamente marcada pelo combate entre a democracia e a liberdade e os podres poderes de ridículos tiranos. Independente, Vargas Llosa não usa meias-palavras, fazendo duras críticas, por exemplo, à política externa do Governo Lula, no texto ‘O socialismo do século XXI’.

FONTE: http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2010/10/07/no-livro-novo-referencias-ao-brasil/comment-page-0/#comment-5171

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Artigo da Revista Pangea

Vieira de Mello no mundo de Hobbes
Um dia antes de iniciar a sua missão fatal no Iraque, Sergio Vieira de Mello escreveu: “A preponderância militar dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha não nos deve levar a pensar que a estabilidade internacional possa ser assegurada pela força. Se quisermos que o sistema internacional se baseie em algo mais do que a força ou o poder, os Estados terão de regressar à instituição que criaram: as Nações Unidas.” (O Estado de S. Paulo, 1/6/2003).
O diplomata, que corporificou o “espírito na ONU”, expressava a crença num sistema internacional apoiado sobre valores consensuais. A idéia de uma “comunidade das nações” tem uma longa história. As suas raízes encontram-se no pensamento de Hugo Grotius que, no início do século XVII, elaborou a noção de um “contrato moral” que vincularia as nações pelos laços da justiça. O pensamento de Grotius não parou jamais de ecoar, atrás do ruído das guerras. Uma das suas expressões mais célebres foi a proposta dos “Quatorze Pontos”, do presidente americano Woodrow Wilson, que sintetizava a utopia de uma paz sem vencedores, no final da Primeira Guerra Mundial.
Thomas Hobbes, alguns anos depois de Grotius, explicou que o sistema internacional é o cenário da “guerra de todos contra todos”, no qual os Estados, por não estarem subordinados a nenhum poder superior, vivem “na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro”. Os idealistas sonharam com o estabelecimento de um “governo mundial” que prenderia os Estados na redoma do “contrato moral”. As duas grandes guerras do século XX atualizaram esse sonho, que se coagulou no Pacto da Liga das Nações (1919) e na Carta da ONU (1945).
Mas o “governo mundial” baseado na justiça não existe: o que existe é o poder dos Estados e a política de poder. O Pacto da Liga das Nações fundava as relações internacionais “na justiça e na honra”. De fato, a Liga funcionou como instrumento da “paz dos vencedores” e afundou devido à ausência dos Estados Unidos, a grande potência encapsulada no isolacionismo. A Carta das Nações Unidas inspirou-se na mesma filosofia do Pacto da Liga e o seu preâmbulo prometia que a força só voltaria a ser usada na defesa do interesse comum. Ao contrário da Liga, a ONU revelou-se duradoura, mas não porque tenha sido capaz de conferir vida ao sonho do “governo mundial”.
A vitalidade da ONU decorreu, paradoxalmente, da sua adaptação funcional à política de poder da Guerra Fria. O equilíbrio bipolar e o duopólio nuclear encontraram expressão jurídica no direito de veto das resoluções do Conselho de Segurança. O espectro intolerável da guerra total conferiu ao Conselho de Segurança a função de palco de confrontação e negociação entre as superpotências.
O fim da Guerra Fria dissolveu o equilíbrio bipolar e propiciou a formulação de algumas grandes deliberações consensuais no Conselho de Segurança. Depois da Guerra do Golfo de 1991, forças de paz das Nações Unidas foram deslocadas para inúmeros focos de conflito, dos Bálcãs à África, do Timor Leste ao Afeganistão. Então, a ONU adquiriu a aparência de um “governo mundial” e Vieira de Mello celebrizou-se como “construtor de nações”. No fundo, como registrou o perspicaz embaixador da administração Clinton nas Nações Unidas, Richard Holbrooke, num artigo para o Washington Post, “a ONU serve no Iraque – como na Bósnia, Kosovo e Afeganistão – aos interesses americanos a longo prazo”.
Há, contudo, uma diferença essencial. Na antiga Iugoslávia e na Ásia Central, a ONU recebeu poderes amplos de manutenção da paz e reconstrução nacional, na seqüência de intervenções militares dirigidas pelos Estados Unidos mas legitimadas pelo Conselho de Segurança. No Iraque, ao contrário, a missão da ONU tem atribuições marginais, pois a intervenção militar foi deflagrada contra a posição da maioria do Conselho de Segurança e os Estados Unidos desempenham a função de potência ocupante. Essa circunstância especial é, aliás, a moldura do atentado que vitimou Vieira de Mello.
No Timor Leste, entre 1999 e 2002, as Nações Unidas ergueram, das ruínas da guerra, a “primeira nova nação do século XXI”, na definição de Holbrooke. Aquele episódio representou o zênite da carreira do brasileiro “construtor de nações” e, também, um poderoso alento para a crença num “governo mundial”. Mas a Doutrina Bush secou o lago das ilusões. Os neoconservadores republicanos, que sempre se opuseram atavicamente à ONU, assumiram o controle da política externa americana. No diapasão unilateralista da “guerra ao terror”, Washington passou a enxergar o Conselho de Segurança – onde franceses, russos e chineses dispõem do direito de veto – como um estorvo à estratégia imperial da “Nova Roma”. O “governo mundial” de Bush e Rumsfeld é a Casa Branca.
Apesar dos alertas que enviou sobre a vulnerabilidade da missão em Bagdá, Vieira de Mello não queria que o seu pessoal circulasse em carros blindados ou se escondesse atrás das tropas de ocupação, pois esperava que os iraquianos traçassem uma linha mental separando a ONU dos Estados Unidos. Há duas vítimas políticas do atentado às instalações da ONU em Bagdá. Uma é Vieira de Mello e a outra, que ele simbolizou, é a crença no “governo mundial” fundado num “contrato moral” entre as nações. Agora, ao lado de cada funcionário da ONU em Bagdá, estarão veículos militares e soldados das tropas ocupantes.

Demétrio Magnoli - 31/08/2003.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

As muitas violências

por Silvio Caccia Bava
Nos últimos três anos foram assassinadas mais de 140 mil pessoas no Brasil. Uma média de 47 mil pessoas por ano. Uma parcela expressiva destas mortes, que varia de região para região, é atribuída à ação da polícia, que se respalda na impunidade para continuar cometendo seus crimes. São 25 assassinatos ao ano por cada 100 mil pessoas, índice considerado de violência epidêmica, segundo organismos internacionais, e que se mantém estável, apesar dos esforços do governo federal com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da Segurança, lançado em agosto de 2007, e o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que tinha por meta reduzir em 50% os assassinatos neste ano de 2010, mas não o conseguiu.
A situação é um pouco melhor que alguns anos atrás: em 2000, o índice era de 26,7; em 2001, de 27,8; em 2002, de 28,45, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Não fazemos ideia do que esses números significam. Apenas para ter uma comparação, nos três anos mais cruentos da invasão do Iraque (2005-2007) foram assassinados, por atos de guerra, 80 mil civis. Uma média de 27 mil mortes por ano.
Se os assassinatos com armas de fogo são uma face da violência vivida na nossa sociedade, ela não é a única. Logo atrás, em termos de letalidade, estão os acidentes fatais de trânsito, com cerca de 33 mil mortos em 2002, e 35 mil mortes por ano em 2004 e 2005. Isto, sem falar nos acidentados não fatais socorridos pelo Sistema Único de Saúde, que multiplicam muitas vezes os números aqui apresentados e representam um custo que o Ipea estima em R$ 5,3 bilhões para o ano de 2002. Novamente aqui os jovens são as principais vítimas, e uma pesquisa aponta que 95% dos acidentes de trânsito são de responsabilidade do motorista: desrespeito à sinalização, excesso de velocidade, avanço do sinal.1 Quanto aos atropelamentos, foram mais de 40 mil em 2006, penalizando principalmente os mais idosos.
A lista da violência alonga-se incrivelmente. Sobre as mulheres, os negros, os índios, os gays, sobre os mendigos na rua, sobre os movimentos sociais etc. Uma discussão num botequim de periferia pode terminar em morte. A privação do emprego, do salário digno, da educação, da saúde, do transporte público, da moradia, da segurança alimentar, tudo isso pode ser compreendido, considerando que são direitos assegurados por nossa Constituição, como outras tantas violências.
Para buscar interpretar estes acontecimentos, não é possível isolar uma única forma de violência, ainda que suas distintas manifestações requeiram políticas também diferenciadas para enfrentá-las. É o jeito de viver em sociedade, que assumimos ao longo do tempo, que nos leva a esta situação-limite.
Quando a Justiça não funciona, principalmente para os pobres; quando a polícia mata com impunidade, em vez de garantir a lei e a ordem; quando o que nos ensinam é que temos de tirar vantagem sobre os demais; quando as políticas públicas não garantem a proteção social das famílias; quando os jovens não têm perspectiva de emprego neste modelo de desenvolvimento; tudo somado, desaparece o que é de interesse comum, a coisa pública, a afirmação dos direitos, as regras de convivência democrática.
É aqui que mora o perigo. Se o domínio privado do espaço público prevalecer, como é o caso das milícias e do narcotráfico nas favelas, assim como dos sistemas de segurança privada nos acessos aos condomínios de luxo e nos shoppings, então continuaremos a viver uma guerra contínua e não declarada que estenderá seu manto de sofrimento por toda a sociedade.
Hannah Arendt valoriza o espaço público como espaço de socialização, da comunicação, do debate, do exercício democrático, do cultivo das liberdades. Claude Lefort, Viveret e toda uma corrente de pensadores nacionais e estrangeiros que defende o exercício da democracia direta pelos cidadãos, falam da (re)apropriação do espaço público, de um processo de (re)fundação democrática que crie novas instituições para um novo tempo, com maior controle social e sentido público.
Sem espaço público não há democracia, e o espaço público é também uma construção associada à construção do próprio Estado, que necessita se abrir para o controle social para produzir políticas que universalizem direitos. As experiências recentes de construção de um novo jeito de viver que ocorrem em países vizinhos, como a Bolívia e o Equador, dizem que este caminho é possível e que existem movimentos fortes na sociedade que bancam estas mudanças.
A maior violência para alguém é estar sozinho, sem trabalho, sem proteção social, desvalorizado perante si mesmo, privado dos seus meios de socialização, de um papel a cumprir na sociedade.

Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.