segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Italo Zappa - O DIPLOMATA


Franzino, 1,60 metro, permanentes 60 quilos, o embaixador Italo Zappa era um diplomata diferente: jamais comparecia a recepções no Itamaraty. A um amigo curioso explicou: "A primeira vez que vesti um smoking, outro convidado colocou a mão no meu ombro e pediu: um uísque só com gelo, por favor. Eu tenho cara de garçom". Com essa aparência declaradamente modesta, Zappa foi o mais brilhante, criativo e independente diplomata que a Casa de Rio Branco viu. Monástico, mudava-se de um país para outro com apenas duas malas. Nelas arrumava dois ternos escuros, duas calças jeans, uma máquina de café expresso, outra de fazer espaguete e alguns livros. Foi arquiteto e pedreiro: imaginava em grandes linhas a política externa brasileira e não recuava quando convocado a arregaçar as mangas para materializar os projetos, nos quais acreditava apaixonadamente.
Assim foi quando o presidente Ernesto Geisel assinou o decreto removendo-o para Moçambique. Fez questão de ouvir do próprio Zappa seu desejo de servir na África. "É uma questão de coerência, presidente. Se o seu governo promoveu a abertura diplomática para a África, é preciso que embaixadores queiram lá servir." Geisel balançou a cabeça e assinou a remoção. Zappa foi expedicionário nesse aspecto. Viajou secretamente ao coração do continente africano, onde se encontrou com os líderes da luta contra os colonialistas portugueses. A Agostinho Neto, de Angola, e Samora Machel, de Moçambique, garantiu o apoio brasileiro no primeiro momento. E assim aconteceu. Um fato inédito na História: a Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou sua indicação por unanimidade, sem nenhuma abstenção. Nos corredores, diplomatas suspiraram aliviados: sobraria um posto no roteiro Elizabeth Arden, como é chamado o circuito de embaixadas de Paris, Roma, Londres e Nova York. Aliviados ficaram também os exilados políticos brasileiros em Moçambique. A primeira missão de Zappa foi sair em busca dos desterrados, distribuindo passaportes, registrando filhos e oficializando casamentos. Aos agradecimentos, respondia: "É um direito constitucional". Nunca ninguém ousou repreendê-lo.
Passados quatro anos, o chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro chamou-o a Brasília. Perguntou para onde ele queria ir. "Manágua", ouviu de volta. "Para lá eu não lhe mando. Aí mesmo é que vão dizer que você é comunista." Belgrado foi sua segunda opção, por prever grandes confusões na Iugoslávia de então, com a morte de Tito. Também não levou. Despediu-se, então, entrou de licença e exilou-se no pequeno apartamento do Baixo Leblon, região boêmia do Rio.
Presentes doados Nenhum chanceler, no entanto, podia dar-se ao luxo de não ter Zappa na linha de frente. Guerreiro convocou-o novamente a Brasília e convidou-o para um desafio: assumir a embaixada em Pequim. O próprio Zappa havia costurado o reatamento das relações diplomáticas com a China, quando chefiava a então obscura Divisão de África, Ásia e Oceania. "Não era possível manter dois países como China e Brasil, com tantos interesses em comum, afastados." Zappa costumava esboçar o mundo no papel e escurecer as zonas com as quais o Brasil mantinha relações: Europa e Américas. "Somos o Ministério das Não-Relações Exteriores", ironizava. Na China fez o comércio bilateral saltar de míseros milhares de dólares para bilhões. Fez brotar parcerias em petróleo e no campo espacial. Trocou os três Mercedes da embaixada por um microônibus Nissan. "Cabe mais gente e ninguém fica aborrecido por não ter viajado no carro do embaixador", explicava, pragmático. Esse Marco Polo da diplomacia brasileira nunca trouxe para casa pedras ou especiarias: presentes eram doados para o patrimônio da embaixada.
Reabrir a embaixada em Cuba foi a tarefa seguinte do desbravador diplomático, que não escondia suas simpatias. "Cada país constrói seu caminho", frisava, segurando entre os dedos amarelecidos o companheiro inseparável, cigarros japoneses de baixíssimos teores. Com Fidel Castro, previsivelmente, foi admiração mútua à primeira vista. Eram freqüentes as visitas do líder cubano. Sempre de madrugada. As conversas rolavam até na cozinha, com Zappa preparando espaguete e Fidel ajudando. Ao deixar Cuba, foi agraciado com a maior condecoração já dada a um estrangeiro. E trouxe Fidel ao Brasil, em visita oficial.
Único patrimônio Ainda em Havana, Zappa já preparava o caminho para as relações diplomáticas com o Vietnã. Acabou convidado a assumir a embaixada em Hanói. Foi. Ele jamais deixara de enfrentar um desafio, quanto mais os que ele próprio criava. Nas conferências internacionais, diplomatas americanos arrepiavam-se quando viam aquele brasileiro do outro lado. Sabiam que teriam trabalho pela frente. Profundo conhecedor do idioma inglês, Zappa, nas comissões de redação dos documentos finais, não deixava passar nenhuma expressão dúbia que eventualmente pudesse fazer a balança pender para o lado americano.
Já doente, com um câncer no fígado, Zappa batalhava para continuar abrindo o Brasil para o mundo. Veio a São Paulo, operou-se e reassumiu o posto. Regressou quatro meses depois para um check-up, não conseguiu permissão médica para retornar. Recolheu-se ao Baixo Leblon, ao lado da mulher, Diana, para lutar pelo que lhe restava de vida, sempre com a cocker spaniel "Shima", presente de Fidel. Os vietnamitas ofereceram-lhe tratamentos orientais. Fidel mandou emissários para convencê-lo a se tratar em Havana. Zappa morreu no dia 4, de complicações respiratórias, e deixa quatro filhos, Sérgio, Regina, Cristina e Ana, seu único patrimônio. Nascido em Paola, na Calábria, em 1926, Zappa foi criado em Barra do Piraí, no Vale do Paraíba, onde foi enterrado.

Revista Veja, 12/11/1997.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A questão da Reforma Agrária no Brasil


Relatório sobre “Assentamento 14 de Agosto”
Reforma Agrária como política pública eficiente para a desigualdade de terras

O Brasil padece com a desigualdade social desde que era colônia de Portugal. Nossos desbravadores legaram às gerações futuras não só a língua, os costumes, os valores (advindos do cristianismo), a culinária, enfim toda a sua cultura, como também nos mostraram como aquele que está no poder subjuga os mais fracos, pilhando as suas riquezas e ainda por cima, fazendo com que os verdadeiros donos da terra – os índios – servissem de escravos tirando da natureza o ouro, a madeira e os produtos tropicais.
Apesar de assistir por décadas várias revoluções tais como a russa e a chinesa, além da Zapatista no México, o Brasil não teve forças para revolucionar e impulsionar os primeiros passos para a reforma agrária e assim, colocar um fim às desigualdades de terras.
Sem embargo, com o passar dos anos a questão da reforma agrária foi tomando corpo e em 1962, foi criada a SUPRA (Superintendência de Política Agrária) que tinha como função à execução da reforma agrária.
Já em 1964 quando finalmente o Presidente da República João Goulart, o Jango, mobilizava-se frente à questão da reforma agrária, um golpe paralisou todas as esperanças daqueles que lutavam pela posse da terra. Era o golpe militar que duraria 21 anos. No entanto, o governo dos militares não ficou indiferente à questão e colocou a reforma agrária na pauta de suas prioridades. Rapidamente criou-se a lei 4.504 em 30 de novembro de 1964, que tratava do Estatuto da Terra. Porém, ao invés de dividir as terras promoveu a modernização dos latifúndios, criando um crédito rural abundante e subsidiado a fim de gerar um estímulo à cultura da soja que precisava de enormes terrenos para cultivo e incorporava as pequenas propriedades às médias e às grandes. Essa época do Brasil conhecido como “Milagre Brasileiro” fez com que o país rapidamente se urbanizasse e desse um grande salto na industrialização, mas sem qualquer desenvolvimento a democratização da terra.
Em 1985, o então presidente José Sarney elabora um plano ambicioso: assentar cerca de um milhão e 400 mil famílias em cinco anos, o que se mostraria claramente impossível e no final do prazo estipulado verificou-se que apenas noventa mil famílias foram assentadas.
Com a proposta de não vender ilusões à sociedade, o Governo de Fernando Henrique Cardoso assentou mais de um milhão e duzentas mil famílias de trabalhadores rurais sem terra, o maior número já registrado na história do país, de acordo com dados do INCRA, o que é veemente contestado pelo governo Lula e pelo Projeto Dataluta.
O grande desafio para os assentados hoje é garantir a viabilidade econômica do assentamento, pois não é necessário apenas distribuir terras, mas também assegurar programas e ações articuladas de diversos órgãos, Ministérios, Instituições Públicas a fim de promover a sobrevivência dos assentados, com crédito subsidiado para as lavouras e para a construção das moradias, estradas, creches, postos de saúde, escolas etc.
Em conversa durante a nossa estada no Assentamento “14 de agosto”, Idalice Rodrigues Nunes, Coordenadora Estadual do Movimento, apresentou-nos o Assentamento que foi fruto da primeira manifestação do movimento sem terra no Estado de Mato Grosso ocorrido no dia 14 de agosto de 1995. Possui setenta e uma famílias e três tipos de organização, sendo a Associação, o grupo de mulheres que trabalham com a fibra da banana e a Cooperativa, que nasceu junto com o acampamento. Assim, um grupo de doze famílias decidiu que iria trabalhar de forma coletiva. Começou-se, então, a desenvolver as primeiras lavouras e nesse trabalho coletivo, criou-se a Cooperativa Canudos, nome em homenagem a Antonio Conselheiro.
Durante estes doze anos de assentamento, explica Idalice, muitas pessoas não se adaptaram ao esquema de cooperativa e não foram obrigadas a ficar e hoje apenas cinco famílias trabalham na Cooperativa, com a mesma qualidade e quantidade da produção anterior.
Para eles, homens e mulheres têm os mesmos direitos e deveres. Trabalham da mesma maneira e recebem pela quantidade de horas trabalhadas. Organizam-se em cinco setores: leite e animais em geral; roçado, o plantio do arroz e verduras; setor da agroindústria, que organiza tanto a questão da matéria prima quanto à execução dos trabalhos; a administração que cuida da parte burocrática do movimento e o setor de turismo, que desenvolve o turismo rural, criado por um grupo de jovens que tinha como objetivo: divulgar a questão da reforma agrária e ganhar dinheiro.
“O MST sempre recebeu muita visita aqui, muitos amigos, conhecidos, turistas, mas nunca foi cobrado nada, era tudo por nossa conta e percebemos que não teríamos como arcar com as despesas. Criamos então o projeto ‘Na trilha dos alimentos’, onde é oferecido um café da manhã, com todos os produtos rústicos e depois os turistas fazem uma trilha pela roça onde os trabalhadores rurais mostram toda a produção. O pessoal vem conhecer tudo o que estamos organizando. Depois tem o almoço, o lanche da tarde e voltam para casa”, explica Idalice. Este tipo de projeto é único no Mato Grosso e fora do Estado, somente São Paulo e o Sul possuem um projeto de mesma similitude.
“Durante o período de ocupação os valores são coletivos, mas a partir do momento que eles tomam posse da terra, que deixa de ser coletivo, as coisas mudam”,explica ela, mas eles não têm problemas em relação às outras famílias.Segundo nos informa, este assentamento é bastante produtivo e de ótima localização. Cerca de oitenta por cento do que é vendido na feira sai dos assentamentos de Campo Verde, mesmo assim o “14 de Agosto” é mais produtivo ainda.
A associação representa todos os assentados, mesmo tendo muita limitação no sentido de se reunir para o debate e deliberar sobre as questões do assentamento, como problemas na estrada e no acesso, por exemplo. Mesmo com todas as dificuldades, ainda assim os líderes conseguem reunir os assentados, mesmo os que estão fora da associação, pois segundo eles, “as pessoas precisam de algum tipo de associação que os represente”.
Outro líder do assentamento, Manoel, lembra que a organização depende muito da pessoa, pois há os que vão para a organização, fazem a marcha e participam, mas só pensam em obter a terra. Depois que conseguem, abandonam o movimento. Ele diz: “Cada um tem um horizonte que desenha na vida. O movimento é muito democrático neste sentido, ninguém é obrigado a participar. Tem gente que pega o lote e vende.”
Quanto à questão da saída de integrantes do movimento, esta é uma situação muito complexa que foge da vontade de seus líderes, pois os mesmos entendem que mesmo depois de conquistado este direito, ainda existem outros que dormem embaixo de barracas improvisadas de lonas à beira de estradas e que precisam da unidade do Movimento, que precisam da ajuda daqueles que já conquistaram este direito. A luta continua, mas infelizmente não é assim que muitos pensam.
“O que a gente tem avaliado na conjuntura social hoje e isso tem a ver com o governo Lula na linguagem mais política, nós vivemos num descenso de massa. Vivíamos no momento de um ascenso de massa, tinha uns 10 sindicatos, movimentos estudantis etc, o fato é que muita gente tinha como horizonte que o Lula chegando ao poder tudo ia ficar melhor. O governo na nossa avaliação tem tomado uma posição clara. Existem dois projetos: um é o modelo do agronegócio exportador e existe um outro modelo de produção que é a produção familiar. Quando a gente viu o censo de 2000, percebemos de que lado o governo está apoiando. O governo apesar das políticas sociais (...) nós não temos dúvida de que o governo tem uma posição de apoiar o agronegócio, que ele iria atualizar o censo em abril mas não atualizou.” Essa percepção do Movimento gerou uma outra mobilização que tinha como objetivo recolocar na pauta do governo a questão da reforma agrária no país. Segundo Manoel, o governo teria que fazer a atualização dos núcleos de produtividade a cada cinco anos conforme reza a Constituição Federal.
Como era de se esperar surgiu uma reação do governo que foi a encomenda de uma pesquisa com o Ibope, realizada em dois assentamentos. Antes disso, segundo nos informa Manoel, saiu a ideia da atualização dos juros e os dados do IBGE que constataram que cerca de setenta e quatro por cento das pessoas que vivem do trabalho da produção de alimentos vêm da agricultura familiar, que ocupa e emprega outros setenta e cinco por cento de mão de obra e mais, oitenta e quatro por cento da produção do leite também vem da agricultura familiar.
Outra questão que foi abordada no acampamento foi à questão da violência no campo, a derrubada dos pés de laranja da Cutrale em São Paulo, bem como o incêndio nas casas de outros trabalhadores rurais. Quanto a esta questão, a liderança em Mato Grosso garante que não é uma prática aceita pelo movimento. Há muitas questões que são mostradas de forma distorcida pela grande mídia com a finalidade de desmoralizar o movimento. Neste caso, Idalice explica: “Temos que pensar que 20 milhões de pessoas estão passando fome no Brasil e a Globo não mostra. Saiu o censo, a pesquisa do IBGE de que 70% dos assentamentos passam fome e tentaram fazer outra CPI, sendo que já tinha duas. O que aconteceu? Aconteceu a história da Cutrale. De fato, ao assentados quebraram os pés de laranja, pois tem terras do governo sendo ocupadas pela multinacional para ganhar dinheiro e nós queremos produzir alimentos. De fato aconteceu. O que a Globo fez? Fizeram as imagens, esperaram o momento para sair junto com a historia da CPI. Não é da prática do movimento destruir propriedade, tratores ou casas. Os funcionários que trabalham nas fazendas, a gente trata como “companheiros” até onde eles queiram, mas a gente nunca usa de violência contra os trabalhadores das fazendas. Uma fazenda daquele tamanho, imagina o tamanho da oficina que existe naquela fazenda. Aquilo tudo era trator que estava na oficina já quebrado. Como que trezentas pessoas iam sair com 15 mil litros de óleo com a Polícia cercando o tempo todo? A própria empresa deu o caminhão para tirar os sem terra de lá de dentro. Como iríamos sair com 15 mil litros de óleo de lá? São coisas absurdas que são colocadas e que não tem sentido para as pessoas com o mínimo de consciência, acreditar nisso. A questão agora do Pará, conhecendo o movimento, eu tenho certeza de que não foi o movimento que fez isso. Nós não queremos destruir o que já está construído porque vamos usar como casa. É luta de classe e a Globo sabe como fazer as coisas.”
O Movimento também tem todo um trabalho no que concerne à educação de suas crianças. Eles explicam que as crianças participam de todas as atividades que elas puderem e que há o projeto “Sem terrinha” que tem uma proposta diferenciada na questão do movimento e também possuem a Ciranda Infantil que cuida das crianças durante os Encontros Estaduais.
Chegamos a um ponto da conversa onde todos ficaram muito interessados, que foi a questão do “companheiro Lula”. Uma das colegas perguntou à liderança estadual se o Presidente ainda seria um companheiro, termo muito utilizado por quem integra as militâncias sociais. Com a palavra, Manoel: “Lula deixou de ser companheiro há muito tempo. Em relação à reforma agrária e a luta pela terra, ele deixou a desejar. Há muito tempo o Movimento Sem Terra não trata o Lula como companheiro. Falando enquanto militante do movimento, nós não estamos em decadência. Faz parte do contexto da luta pela reforma agrária, pelo socialismo, pela educação, estávamos no ascenso de massa, hoje estamos no descenso.” Idalice completa: “Aqui no Estado, as lutas estaduais, estivemos no Incra onze vezes este ano, ficando até 40 dias, fazendo o revezamento. Em relação à massa sim, o movimento está enfraquecido. Achávamos que o Lula ia resolver o problema da terra. Mas não foi isso que aconteceu.”
Para finalizar, Idalice nos conta que o Movimento hoje passa por um balanço crítico, com os olhos voltados para o próximo período, se preparando para os próximos vinte e cinco anos, com os pés no chão. Segundo ela, o próximo período vai exigir demais da militância e eles não querem ser mais um na história deste país. Vamos lutar por aqueles que ainda não conseguiram seu pedaço de terra para plantar. A luta não terminou.

Conclusão


Depois de tantos anos que se discute a questão da distribuição de terras devolutas neste país, ainda temos várias famílias vivendo de forma subumana à beira de estradas e rodovias a espera de uma solução para que os latifúndios que não cumprem a sua função social sejam desapropriados, conforme ordena o artigo 184 da Constituição Federal de 1988.
A atual crise econômica foi a grande responsável pela demissão massiva ocorrida no setor do agronegócio, dificultando ainda mais a vida do trabalhador rural que já era escravizado e mal pago com baixos salários e levando mais famílias à beira das estradas em acampamentos improvisados, dormindo embaixo de lonas.
Assim, o MST – Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra, acredita que a única saída para esta crise é a reforma agrária, uma política pública eficiente que gera emprego e renda no campo e ainda vê com bons olhos o incentivo que o governo Lula diz querer dar à agricultura familiar a fim de erradicar a fome. Um dado curioso concerne à opinião de assentados quanto à atuação do governo Lula.
Em nossa visita ao Assentamento “14 de agosto” em Campo Verde, MT, tivemos a oportunidade de conversar com filhos de assentados, bem como com a liderança do Movimento na região. O Assentamento nasceu em 14 de agosto de 1995, com setenta e uma famílias assentadas pelo Movimento, cada uma com vinte e cinco hectares de terra. Hoje, infelizmente, só restam cinco famílias que participam do Movimento e permanecem na região. De acordo com Manuel, líder do MST em Campo Verde, o Movimento não tem como segurar as pessoas dentro desta ideologia legítima, que luta pela redistribuição de terras. Muitos aderem ao Movimento só para conseguir seus lotes, mas depois abandonam a causa, já que conseguiram o terreno para si. Conhecemos o Mercado Municipal onde os cooperados vendem a sua produção diretamente ao consumidor. A Cooperativa Agropecuária de Canudos que nasceu com o Assentamento e nela trabalham todos os produtores da Reforma Agrária.
A seguir uma transcrição "ipsis litteris" da nossa entrevista com dois filhos de assentados e produtores rurais, jovens estudantes que demonstram que, ao contrário do que a mídia nos coloca, eles têm muito conhecimento técnico e da sua própria causa. Demonstram, na minha opinião, uma clareza de ideias e consciência política bem diferente da postura subversiva, na sua concepção negativa e pejorativa do termo.
Josemar Moreira da Silva e Edicácio Rufino de Souza aceitaram conversar sobre a vida deles e o futuro do Movimento.

Josemar Moreira da Silva – 21 anos – Estudante
1. O que é propriedade para você?
Propriedade é vida, é o lugar onde você tira o sustento, onde a minha família vive e onde quero viver até o fim da minha vida.
2.O que você acha do governo Lula?
Acho bom, mas não está sendo bom para o movimento. Ele tem suas qualidades, mas não tenho fé de que vai fazer alguma coisa pela reforma agrária.
3.Qual o futuro do MST?
Vai ser promissor, ele já teve seu auge, agora vive em decadência. Na minha opinião os integrantes de hoje não levam a coisa com o coração.
4.Como você vê a educação das crianças dentro do movimento?
Eu acho bom, o MST visa tanto o lado do conhecimento como o lado histórico. Uma criança que viveu no meio rural, tem todo um passado que o MST tenta resgatar, ao mesmo tempo tenta dar um maior conhecimento aos filhos dos integrantes.
5. Você faz parte da cooperativa?
A cooperativa era 12 lotes juntos, conforme as pessoas iam saindo iam vendendo seus lotes, hoje tudo o que produzo é nosso, desvinculado da cooperativa.
6. E na Associação, vocês estão presentes na luta do MST?
Não. O interessante era ter a terra, agora que conseguimos meu pai está sossegado. O pai já não conseguiria viver na cidade, ao contrário de mim que estudo e já não me apego tanto às questões da terra. O preconceito da população das grandes cidades ainda incomoda e eu tento explicar as pessoas que a história não é bem essa, que as coisas não são perfeitas, mas também não são assim como pensam.

Edicácio Rufino de Souza – Estudante de Agronomia
Filho de assentado, hoje é a segunda geração da fazenda.
1.Qual é o conceito de propriedade pra você?
Não somos cooperados e nos baseamos no conceito de agricultura familiar, eu estudo fora, mas no final de semana estou aí. A propriedade é uma questão de família na verdade, nós optamos por sair, mas não temos nada contra a cooperativa.
2.Como você vê a educação das crianças quanto às questões sociais dentro do movimento? Hoje isso não é bem trabalhado, mas o pessoal que está mais próximo do movimento, na questão da cooperativa, são bem mais próximos da realidade, mas para nós que estamos de fora, é mais difícil.
3.A sua família participa do MST?
Nós temos uma simpatia muito grande pelo movimento, temos bom relacionamento,mas hoje não participamos mais.
4.Como você vê o futuro do movimento?
Na verdade eu acho que enfraqueceu o movimento mas acredito que isso é um ciclo, uma roda que não para, pois outros almejam esse objetivo e virão somar a esse movimento, eu acredito que agora está em recessão aqui nossa região, pois em outras regiões o movimento está mais forte.
5.Qual deveria ser a posição política do MST na sociedade?
Hoje para a sociedade o MST é discriminalizado por quem detém o capital, o latifúndio, mas há uma parte que ainda acredita e o novo censo agropecuário diz que cerca de 75 a 85% dos alimentos no Brasil vem da agricultura familiar, a sustentabilidade está no pequeno.
6.E o governo Lula?
O Lula não fez o que prometeu em campanha, há um conflito muito grande se ele é de esquerda ou de direita, há um consenso que ele é neoliberal hoje. Tem uma simpatia pelo movimento, mas acho que o governo lula deixou muito a questão da reforma agrária. O PT a partir do momento que está no topo, o partido atua, mas ele deve consultar alguém, que não é a massa. Ainda assim é o partido que está mais próximo do movimento, ele tem suas falhas, mas é o partido que está mais próximo da representação do movimento, surgiu muita expectativa que em uma parte foi consolidada e outra não foi, até aqui fomos parceiros a partir disso, ficou o que foi combinado. Uma prova disso foi à questão da reforma agrária que até agora foi bem menor do que em governos anteriores.
7.Você acha que o Lula decepcionou?
Não diria isso, pois seria um termo muito forte, as circunstâncias eram outras, hoje tem a crise, mas acho que deveria ter feito mais. Em 1995 quando teve a ocupação da Fazenda Aliança, foi a primeira ocupação do movimento no Mato Grosso. As pessoas eram vistas naquela época como marginais, era um ato de vandalismo, hoje em dia está mais comum. Eu me criei no assentamento “14 de agosto”, mudei aqui em 1996 (durante o governo Fernando Henrique Cardoso) e você vai tendo contato intensivo com as pessoas. Tem os conflitos de organização mas é muito gratificante em ver a auto-estima das pessoas crescendo. Hoje você ouve falar mal dos assentamentos e você fica revoltado com o preconceito da Rede Globo. Uma coisa é você conhecer, outra é você conhecer o oposto para comparar.
8.Você continua sendo simpático ao movimento, mas até o curso de Agronomia que você está fazendo faz parte desta luta.
Eu faço parte da associação e na medida do possível eu trabalho em função do bem estar do assentamento como um todo, faz parte da luta.
9.Você sabe se o movimento tem algum interesse em mudar a opinião pública?
Eu acho que gostaria, mas não sei se consegue. A mídia muda o hábito das pessoas, os conceitos, entra todo dia na sala das pessoas e as coisas que são repetidas muitas vezes, acabam entrando na mente das pessoas.
10.Quanto ao papel da educação na formação das opiniões das pessoas. A escola de base prepara para este pensamento revolucionário?
Essa educação deixa muito vago as coisas e isso abre brechas para coisas que hoje canalizam, direcionam o que ela escuta em maior quantidade, todo dia, o interesse do capital.
11.Do mesmo jeito que você é filho do Movimento, há filhos de fazendeiros estudando com você.Há preconceito?
No meu caso em particular não posso dizer, eu tenho amigos que são filhos de produtores, outros, de assentados. Não há diferenciação, quando a gente está em roda de conversa, há divergência de opiniões, a gente apimenta, abre discussão, mas o conhecimento deles é globalizado, o que eles vêem na tv, o conhecimento deles é muito superficial.
12. A questão do preconceito é muito interessante. Em todas as cidades deste país, sejam nas grandes cidades ou nas pequenas, há pessoas que vivem em casas alugadas. Ainda pagam a vida inteira para morar em um imóvel que no final, não vai lhes pertencer. Mesmo assim quando se fala do Movimento elas discriminam, julgando as pessoas que lutam pela igualdade, por melhores condições de vida e sobrevivência.
As pessoas têm que acordar e se atualizar para a sua situação. As pessoas querem terra mas não querem passar pelo processo de luta, não querem pegar uma barraca e ir à luta.
13.Você já participou de alguma invasão?
Não, quando houve a invasão para este assentamento eu era muito criança, tinha uns 7 anos.


Agradeço aos meninos por sua valiosa contribuição. Agradeço também a Professora Alair Silveira e aos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra do Estado de Mato Grosso por esta oportunidade.
Com este trabalho espero mostrar àqueles que ainda divergem da opinião do movimento e preferem acreditar na manipulação capitalista preconceituosa que, se não fossem os movimentos sociais, as questões da desigualdade nunca seriam postas em pauta, ou seja, se não fosse o MST a Reforma Agrária não seria sequer discutida.


“No meu governo, o direito à alimentação passou a fazer
parte central da agenda de políticas públicas. Ampliamos
a reforma agrária, o apoio à agricultura familiar, a concessão
de créditos e a assistência técnica à comercialização dos produtos agrícolas.”

Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura da 30ª Conferência Regional da FAO para a América Latina e Caribe
Palácio Itamaraty, 16 de abril de 2008.






Fontes:
BRASIL. Constituição Federal, 1988.
http://www.mst.org.br/especiais/
http://www.faonorden.se/fileserver/Discurso_do_presidente_da_Republica.doc
http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI137176-EI1774,00.html
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php

quarta-feira, 11 de novembro de 2009